Infestação

Moradores de um prédio de apartamentos francês em ruínas lutam contra um exército de aranhas mortais e que se reproduzem rapidamente.

Opinião Pública sobre Infestação

Articulada desde o início em termos de linguagem visual e tendo a montagem como protagonista, esta produção francesa abre as portas para um refrescante reencontro com o terror como veículo para colocar na tela uma reflexão sobre a sociedade do nosso tempo.

O terror como termômetro social, e não apenas como exemplo mecânico de superexploração industrial, que é o que mais vemos nos outdoors. Mas, e isto é o melhor, o terror recupera assim a sua forma mais pura como um reativo do território do entretenimento para desencadear uma visão mais ampla e intensa do claro-escuro do mundo em que vivemos por parte do espectador.

O filme faz tudo isso sem pedantismo, sem pretender ser mais do que é, mas sabendo de todo o potencial que o gênero tem para ser uma ferramenta para ativar questionamentos em seu público.

A radiografia social do gueto em que o diretor desenvolve sua trama é repleta de elementos com segundas leituras de metáforas que também funcionam muito bem e em plena capacidade como ferramentas para um suspense intenso muito bem administrado com um ritmo na montagem que evolui da narrativa de montagem adquirindo rapidamente características de montagem ideológica na definição de personagens e conflitos. Fá-lo brincando com a mudança do tamanho do plano, com os jogos com o eixo, com os espaços, estabelecendo as suas intenções a partir da galeria de referências de duplo sentido que apresentam as aranhas como agentes do caos que colocam em causa a falsa ordem no aquele em que os protagonistas acreditam que vivem e, por extensão, em que os próprios espectadores acreditam que vivem. Aquela ideia do elemento estrangeiro que se infiltra desde as distantes paisagens desérticas até um edifício residencial na grande cidade, uma metáfora do gueto urbano em que boa parte da população ocidental sobrevive em perpétuo conflito entre o centro rico e a periferia naufragado por serviços, segurança, oportunidades, etc.

A aliança de força visual e aracnofobia que o espectador vivencia em maior ou menor grau ao longo do filme, constrói uma chicotada de intriga, principalmente na primeira metade do longa-metragem, quando viajamos por uma definição e aplicação exemplar dos dois primeiros . etapas do modelo das quatro estações do gênero terror definido por John Clute em seu livro The Twilight Garden (Glimpses and Thickening). Confesso que já se passaram anos desde que um filme me fez pular de susto e aqui estão duas cenas que o conseguiram com sua forma envolvente de definir os espaços e a posição dos personagens no plano com um grande talento para nos levar do suspense ao terror e finalmente para assustar.

Em termos de terror, o filme pode relaxar um pouco ao entrar no terceiro ato, quando a ameaça já se revela em toda a sua plenitude, passando para a fase de Trance, conforme a nomenclatura de Clute ou Danse Macabre na nomenclatura que se aplica a esse mesma fase de Stephen King, mas isso não importa, porque é justamente então que o diretor revela completamente suas cartas, fazendo-nos parte de suas intenções desde o início: criar uma fábula de crítica social à situação do gueto e do subúrbios nas sociedades ocidentais auto-complacentes que só têm de se olhar a partir do centro urbano. O antigo debate e pulsação entre centro e periferia, com todas as constantes do multiculturalismo impressas no filme e nos seus protagonistas desde o primeiro momento, são resumidos e explicados como o verdadeiro tema deste perturbador e totalmente canônico e divertido passeio pelos códigos do cinema. de terror na sua variante cinematográfica da peste através do confronto dos protagonistas com a polícia, que inevitavelmente se refere aos conflitos que a França viveu há relativamente pouco tempo.

Por tudo isso, o filme é uma boa combinação de evasão pelo terror e um humor capaz de rir da própria premissa do enredo através de alguns diálogos que definem seus personagens a partir do excesso de orgulho, subtema do filme ligado às visões de centro e periferia. – o diálogo de Alí Express ou dos ténis e o nome da personagem -, ao mesmo tempo que proporciona, no momento mais adequado ao seu desenvolvimento, uma dose de reflexão e conteúdo completada com um desfecho que é bastante uma afirmação de princípios numa fase final, o modelo Depois de Clute, que tem um ponto perturbador.

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